Boletim Finanças & Mercado - Fevereiro/Março de 2023

22 Mar

22Mar

Por Daniel Christian Henrique - Prof. Dr. na Área de Engenharia Econômica (UFSC)

O arcabouço fiscal: parece nome de série e quase virou uma

A manutenção da Selic em 13,75% (além do aceno a outras possíveis altas), com consequente juros reais de 8%, pelo Banco Central não deixou nada satisfeito o governo federal, que mantém sua contínua pressão e conversas com o BC por futuras baixas na taxa. Mas o mês de fevereiro e março ficou marcado pelas negociações para aprovação em abril apenas do novo arcabouço fiscal, que tem sido exigido pelo mercado para acalmá-lo, frente as inseguranças que uma desordem financeira no governo pode acarretar no futuro. No penúltimo dia do mês foi anunciado o comentado arcabouço fiscal, eliminando o sempre furado "teto de gastos" por uma vinculação dos gastos ao superávit primário. O governo, então, tem expectativas que esse arcabouço reformulado trará frutos à redução da taxa básica de juros com uso do bom senso (EXAME, 2023; AGÊNCIA BRASIL, 2023; E-INVESTIDOR, 2023b; INFOMONEY, 2023c).

Muitos analistas, porém, consideraram o arcabouço um tanto otimista, sem aprofundar muito nos nebulosos ambientes internacionais e mesmo nos internos, contando sempre com o ingresso de receitas e atrelando as despesas a bandas de tolerância destas receitas até 2026 - mas sem situações em que a despesa diminua. Todavia, a divulgação do protelado arcabouço foi o suficiente para apaziguar o mercado, gerando bom aceite inicial, trazendo inclusive elevação do Ibov no dia.

Ibovespa tombou, depois superou a marca simbólica

Falando em Ibov, caiu 7,5% em fevereiro. Foi a maior baixa desde junho do ano passado. Instabilidade político-econômica local e perspectivas de mais elevações dos juros norte-americanos foram os alavancadores (EXAME INVEST, 2023a). No mês de março, o índice consegue recuperação, superando a marca simbólica dos 100.000 pontos no fim do mês, mas na expectativa da divulgação do novo arcabouço fiscal pelo governo federal (MONEYTIMES, 2023c). Divulgado o bendito, com bom aceite inicial, o Ibov confirma seu bom desempenho com fechamento em 103.267 pontos em 30 de março. No último dia de pregão do mês, todavia, operou em baixa com correção do otimismo do dia anterior e realização de lucros de empresas que vinham de diversas altas seguidas. Fechou o mês com 101.882 pontos (UOL ECONOMIA, 2023)

E a crise chegou nas Big Techs

Durante a pandemia houve um boom de contratações pelas Big Techs, era a onda da vez nas contratações. Amenizada a pandemia, veio uma guerra na Europa acompanhada de inflação e desaceleração econômica mundial. Elas não escaparam. Começou-se os processos de demissões para readequação de suas lucratividades, com milhares de rescisões de contratos de emprego em 2022 e tomou volume ainda maior entre janeiro e março deste ano. Neste mês a Meta encerrou 11 mil contratos de emprego (13% dos funcionários). Microsoft acompanha com 10 mil demissões, junto a Amazon que totalizou 27.000 demissões. Entram na fila também Google, Microsoft, Twitter, SpaceX, Tesla, Spotify, Pinterest e PayPal (ÉPOCA NEGÓCIOS, 2023; OLHAR DIGITAL, 2023; GZH, 2023).

Até mesmo a Wall Disney que vinha engrenando nas áreas tecnológicas com o metaverso, streaming e outras aventuras no setor que exigiam esvaziar o cofre do Tio Patinhas, encerraram o mês de março divulgando o fim de seu metaverso, demissão de sua equipe e de mais outras 7 mil pessoas previstas a fim de se reestruturar e colocar seus custos em ordem (MONEYTIMES, 2023a).

Colapso no Silicon Valley Bank

Foram necessários apenas dois dias de caos para um dos maiores bancos de crédito às startups do mundo entrasse em falência: o Silicon Valley Bank, na Califórnia. Com a alta do juros norte-americanos pelo FED, chegando à casa dos 4,75%, houve um aumento significativo por saques das empresas de tecnologia no banco frente às maiores dificuldades de se conseguir crédito no mercado. Mas como estes depósitos estavam aplicados em títulos de longo prazo do Tesouro que perdeu valor com as altas dos juros, o banco tomou prejuízo na venda dos títulos que chegou a US$ 1,8 bilhão. A notícia viralizou e a corrida bancária começou, dois dias foram suficientes para liquidar o banco e derreter suas ações (E-INVESTIDOR, 2023). Nos tribunais federais, todavia, a controladora do banco no pedido de recuperação judicial alega ter US$ 2,2 bilhões de liquidez para avaliar suas alternativas estratégicas (INFOMONEY, 2023a).

Países de primeiro mundo que agora passam a conviver com taxas de juros mais elevadas começam a aprender lições, que por aqui há muito são conhecidas. Em fins de março, o presidente do FED, Micheel Barr, deu seu parecer sobre o caso SVB: o banco quebrou porque seus gestores não souberam medir os riscos dos juros altos e dos problemas de liquidez. Ponto final (INFOMONEY, 2023b).

Juros no Brasil: uma 'pena de morte' para Stiglitz

Se os bancos americanos não entendem bem como lidar com os juros altos ainda, não significa que um americano com prêmio Nobel em economia não possa opinar quanto ao país com o juro mais alto do mundo. Para Joseph Stiglitz (nobel de 2011) a Selic a 13,75% no Brasil, com juros reais de 8% (descontada a inflação) é chocante, uma 'pena de morte' para o país, o qual considera que apenas sobrevive devido a existência do BNDES que oferta juros mais atrativos para as empresas mais produtivas (CORREIO BRAZILIENSE, 2023).

Enquanto isto, nos juros do consignado...

E outra história que teve idas e vindas entre fevereiro e março foi a nova taxa de juros para empréstimos consignados a aposentados e pensionistas do INSS. No dia 13 de março foi aprovado a redução da taxa pelo Conselho Nacional de Previdência Social, saindo de 2,14% para 1,70% ao mês. Ok. Mas ao que tudo indica ninguém consultou os demais envolvidos: ministérios e bancos... Foi uma chiadeira geral e os bancos públicos e privados simplesmente decidiram não ofertar mais este empréstimo. Saída simples para uma decisão simples. O negócio foi renegociar e chegar a um "meio termo". Já quase no final de março sai a nova taxa, agora em 1,97% ao mês (REDE JORNAL CONTÁBIL, 2023; DIÁRIO DO GRANDE ABC, 2023)

A carne bovina embargou e desembargou

Produtores de proteína bovina já estão começando a se acostumar com o abre e fecha de mercado para a China. Agora é o mau da vaca louca que estava assustando. Foi um único caso esporádico que surgiu no sudoeste do Paraná, mas suficiente para cancelar via auto embargo em 22 de fevereiro todo embarque de carne à China, comprador de 60% de nossa proteína. Um mês depois, realizado todo o protocolo para estes casos, foi cancelado e retomada as exportações. Financeiramente, perder-se-á entre 15 a 20% dos embarques do primeiro trimestre (CANAL RURAL, 2023).

Enquanto isto, na carne de frango em Santa Catarina...

Aqui não está havendo senão. No primeiro bimestre aumentou-se os embarques para a China da carne aviária de Santa Catarina, gerando um incremento de faturamento da ordem de 78,4%. Semelhante ocorreu com a Arábia Saudita, aumentando no período 57,5% suas receitas. No geral, o estado arrecadou uma alta de 27,8% nas suas receitas com a proteína aviária (GOVERNO DE SANTA CATARINA, 2023).

Brasil e China negociando sem dólar

Falando ainda em Brasil e China, nos últimos dias do mês de março, ambos países avançaram em um acordo para que o comércio e investimentos entre os mesmos sejam realizados sem uso do dólar norte-americano, mas sim diretamente com o real e yuan. Especialistas indicam a possibilidade de redução de custos para exportadores e importadores com a nova tratativa, pois eliminará perdas das variações cambiais do dólar, visto que o yuan varia menos, possibilitando maior previsibilidades. O quesito internacional também está em jogo: a disputa geopolítica da China com os EUA tracionou a necessidade de redução da dependência de negociações em dólar pelo país (DIÁRIO DO GRANDE ABC, 2023)

Inflação impactada por educação e combustíveis

Tomando por base o índice IPCA, apresentou alta de 0,84% em fevereiro (depois de alta de 0,53% em janeiro). O principal responsável pelo aumento mais expressivo foi o grupo de Educação, que com as elevações das mensalidades conseguiu arrebanhar sua maior alta desde 2004 (IBGE, 2023; CNA, 2023). E enquanto não sai o resultado final da inflação de março, vamos com a sua prévia pelo IPCA-15, que expectativa de 0,69% no mês, com destaque aos aumentos dos combustíveis (UOL ECONOMIA, 2023)

Após a realização da quinta reunião do COPOM, definiu-se pela manutenção da taxa básica de juros a 13,75%. As expectativas da inflação para 2023 divulgadas pelo Boletim Focus, então, sofreu um pequeno reajuste para baixo, saindo de 5,95% para 5,93% (UOL, 2023a, 2023b).

Petrobras reduz o diesel

Ainda no papo sobre combustíveis, um alívio no preço do diesel. Esse combustível foi reduzido em R$0,18 pela Petrobras no dia 23 de março com o objetivo de manter sua competitividade decorrida as alternativas existentes no mercado. Já a gasolina, com os aumentos de março, mantém-se 3% acima do preço internacional (E-INVESTIDOR, 2023a).

Serasa: liquidou geral

O Serasa fez um mutirão em março com megaliquidações para limpeza de nome. Os descontos chegaram até a 99% ou mesmo pagamento da dívida por R$ 1,00 (1,5 milhão de dívidas), R$ 10,00 (20,9 milhões de dívidas) e R$ 100,00 (156 milhões de dívidas). Aceitou-se pagamento por Pix com garantia da limpeza do nome no mesmo momento. Claro, para viabilizar essa empreitada, houve mais de 500 empresas parceiras do Serasa que concordaram com a ação para ofertar um recomeço financeiro a milhões de brasileiros (MONEYTIMES, 2023b; EXAME INVEST, 2023b).

Carros e vendas não estão dando match

Se o negócio já não vinha bem em janeiro com a elevação dos preços dos carros, fevereiro completa o pacote com a menor produção de veículos dos últimos sete anos, diminuindo 2,9% no comparativo a fevereiro do ano passado - apesar de produzir 5,6% a mais em relação a janeiro deste ano. (REVISTA OESTE, 2023; FORBES, 2023). Para os carros usados foi ruim no geral: caiu 6,7¨% em relação a janeiro e 2,3% no comparativo a fevereiro de 2022 (FENABRAVE, 2023).

Referências:

ÉPOCA NEGÓCIOS. Demissões em massa custarão até US$ 4,7 bilhões para Amazon, Google, Meta e Microsoft (2023)

OLHAR DIGITAL. ‘Big Techs’ já realizaram quase 100 mil demissões; 40 mil apenas em 2023 (2023)

GZH. Amazon anuncia demissão de outros 9 mil funcionários (2023)

E-INVESTIDOR. Crise nos bancos: saiba tudo sobre a falência do Silicon Valley Bank (SVB) (2023a)

E-INVESTIDOR. Arcabouço fiscal cumpre o que o mercado esperava; veja as análises (2023b)

INFOMONEY. Controladora do Silicon Valley Bank, SVB Financial pede recuperação judicial (2023a)

INFOMONEY. SVB quebrou porque sua direção falhou em medir riscos dos juros, diz Barr, do Fed (2023b)

INFOMONEY. Arcabouço fiscal é insuficiente para equilibrar contas e joga incerteza sobre reforma tributária, diz deputado (2023c)

EXAME INVEST. Ibovespa cai 7,5% em fevereiro e tem pior mês desde junho do ano passado (2023a)

EXAME INVEST. Feirão Limpa Nome faz "liquidação" e permite pagamento de dívida por R$ 1 (2023b)

CANAL RURAL. China derruba embargo e volta a importar carne bovina do Brasil (2023)